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    O guarda-roupa que resume quase um século do teatro paulistano
     
 
     
    Acervo histórico do Municipal, em fase de ampliação, conta com figurinos 
    raros, que passaram décadas nos baús  
     
    Uma doação muito especial desembarcou no Teatro Municipal de São Paulo, no 
    início da semana passada. Eram cinco roupas usadas em cena pelo tenor 
    Armando de Assis Pacheco, que morreu em 2005, aos 96 anos, vítima do mal de 
    Parkinson. Pacheco interpretou mais de 50 óperas durante a carreira, entre 
    elas O Rigoletto, A Traviata, Madame Butterfly, Aída e Palhaço. Foram 
    justamente os figurinos dessas óperas que chegaram ao teatro. 
     
    A doação potencializou o fôlego de um acervo que esconde verdadeiras 
    preciosidades. O guarda-roupa, que tem 96 anos de história, nem sempre foi 
    bem cuidado. “As roupas eram armazenadas em caixotes e ficavam entulhadas 
    numa sala com cerca de 50 metros quadrados”, diz Jamil Maluf, diretor 
    artístico do Teatro Municipal. “Há três anos, criamos a Central de Produção 
    Chico Giacchieri, com o objetivo de melhor administrar o acervo.”A central 
    funciona num galpão de 2.200 metros quadrados, na Vila Guilherme, zona 
    norte. No térreo, reúne os cenários – que estavam em galpões espalhados pela 
    cidade – e no primeiro andar 37 mil roupas de 85 óperas realizadas no 
    principal palco da capital paulista.  
 
     
    CATÁLOGO 
     
    Ali, os figurinos começaram a ser devidamente higienizados, recuperados e 
    protegidos da poeira e da luz. Aos poucos são catalogados e fotografados em 
    arquivos digitalizados. Quarenta óperas já passaram pelo processo. Nessa 
    lista está a roupa usada por Assis Pacheco, em O Rigoletto, que passou a ser 
    a mais antiga do guarda-roupa. Ela é de 1942. 
     
    As peças com mais de 20 anos são consideradas de museu. Não podem ser 
    emprestadas ou alugadas como as mais recentes. Mas é justamente nessa parte 
    do acervo que há verdadeiras surpresas. Ninguém imagina, por exemplo, que o 
    arquiteto e paisagista carioca Burle Marx já deu uma de estilista. Ele 
    desenhou todo o figurino de um balé montado para as comemorações do IV 
    Centenário de São Paulo. 
     
    Burle Marx não é o único brasileiro de expressão, não especializado na arte 
    da costura, que emprestou seu talento aos bastidores do Municipal. Nas 
    araras do galpão da Vila Guilherme, há exemplares de alguns dos mais 
    importantes artistas modernistas. “O pintor Di Cavalcanti e o arquiteto 
    Flávio de Carvalho estão no time de modernistas famosos que produziu 
    cenários e figurinos para as comemorações do IV Centenário”, comenta Rita 
    Benitz, instrutora cultural do acervo do Teatro Municipal. “Há roupas 
    vanguardistas, como a de Di Cavalcanti, que criou um macacão com peitos 
    sobrepostos.” 
     
    Também se destacam itens assinados por estilistas conhecidos, como Denner, o 
    queridinho das socialites da década 70, e de Conrado Segreto, que despontou 
    na segunda metade dos anos 80 como grande nome da moda. Há outras raridades, 
    como roupas pintadas à mão na Europa para uma produção nacional de Aída. 
     
     
    “Antes a produção do cenário e do figurino eram terceirizadas”, diz Elisa 
    Galvão, de 45 anos, coordenadora da Central de Produção. “Hoje, temos uma 
    equipe de costureiras que faz todas as roupas.” O mesmo acontece com o 
    cenário, fabricado por marceneiros da casa. Contratar uma equipe para o 
    trabalho interno foi o meio que o teatro encontrou de diminuir custos. 
 
     
    REAPROVEITAMENTO 
     
    “A Central de Produção foi criada também para reaproveitar o material que 
    vai para o depósito”, explica Maluf. Todas as peças com menos de 20 anos 
    podem ser alugadas ou trocadas com outros teatros. Para uma ópera são 
    produzidos aproximadamente 300 figurinos. Carla Camurati, por exemplo, 
    fechou a locação do figurino completo de duas óperas, Madame Butterfly e 
    Carmen, esta encenada em 2002 com a direção cênica da própria atriz. Os 
    figurinos também são reaproveitados pelas novas produções do Municipal, o 
    que diminui os custos em até 30%. “Uma ópera chegava a custar R$ 1 milhão”, 
    lembra Jamil. 
     
    Até o final deste ano, a central mudará de endereço. Um galpão de 4.400 
    metros, próximo ao Shopping D, na zona norte, está em reforma para 
    instalação de ar-condicionado, entre outras benfeitorias. Em 2008, o acervo 
    será aberto ao público para pesquisa. Antes disso, o paulistano só poderá 
    ver algumas peças, ao menos as do tenor Assis Pacheco. Para homenagear o 
    artista, no dia do aniversário do Teatro Municipal (11 de setembro) haverá 
    uma exposição no saguão principal.  
 
     
    De Burle Marx para o balé Pétrouchka (1954) 
     
    O arquiteto desenhou o figurino e o cenário do balé. Em Pétrouchka, de Igor 
    Stravinsky, um músico se apresenta com três bonecos numa praça da Rússia: um 
    palhaço, chamado Pétrouchka, é apaixonado pela bailarina, que ama o mouro. A 
    roupa acima, de seda amarela, é de Pétrouchka.  
 
     
    A mais antiga do acervo, de autoria desconhecida (1942) 
     
    Pertencia ao tenor Armando de Assis Pacheco, um dos nomes mais importantes 
    da ópera no País, que morreu em 2005. Foi usada na encenação de O Rigoleto, 
    uma das 50 óperas que interpretou. Ela chegou ao guarda-roupa do Teatro 
    Municipal no início da semana passada, com mais outros quatro trajes do 
    tenor.  
 
     
    De Di Cavalcanti para A Lenda do Amor Impossível (1954) 
     
    O balé místico fazia parte de uma série de comemorações do IV Centenário de 
    São Paulo. O pintor Emiliano Di Cavalcanti desenhou o figurino e o cenário 
    da peça, que acompanha o estilo audacioso da roupa acima. O macacão, 
    confeccionado com malha retilínea, recebeu a aplicação de seis peitos de 
    espuma forrados de algodão.  
 
     
    De Conrado Segreto para Suor Angelica (1990) 
     
    Um dos estilistas mais importantes do Brasil da segunda metade da década de 
    80, Conrado Segreto fez todo o figurino de Suor Angelica, de Giacomo 
    Puccini. No vestido acima, a mistura de matérias dá um exemplo da 
    criatividade do estilista: mangas de palha, saia de crepe de seda e blusa de 
    shantung de seda. 
 
     
    Do costureiro Denner para a ópera Lakmé (1972) 
     
    Precursor da alta-costura brasileira, o paraense Denner foi o grande sucesso 
    da moda na década de 70. E foi escolhido para desenhar o figurino de Lakmé, 
    de Leo Delibes, ópera cômica de Paris, do século 19. Mas as roupas seguem o 
    estilo dos 70, como a peça acima: túnica de tapeçaria com gola de crochê e 
    pedraria. 
 
     
    De Flávio de Carvalho para A Cangaceira (1954) 
     
    Conhecido por suas performances, o arquiteto Flávio de Carvalho chegou a 
    sair de saias para lançar o traje do executivo dos trópicos na década de 30. 
    Contrariando as expectativas, para o balé criou um visual de cangaceira 
    suntuosa, com veludo cristal e seda, apesar do cinturão e das botas da 
    bailarina.   | 
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