Folha de São Paulo, Tecnologia, SEGUNDA-FEIRA, 25 DE FEVEREIRO DE
2013
Unicamp cria "laboratório CSI" para ajudar a desvendar crimes
Com união de quatro departamentos, projeto
tem custo total estimado de R$ 30 milhões
Além de desenvolver pesquisas que auxiliem o
trabalho forense, Unicamp pretende formar especialistas
HELTON SIMÕES GOMESCOLABORAÇÃO
PARA A FOLHA
A investigação tecnológica de crimes,
popularizada pela série de TV "CSI" em cenários como Las Vegas e Nova York,
caminha para ganhar nova temporada no Brasil.
Campinas, no interior de São Paulo, não será
mais uma franquia do programa, mas planeja ter, até o fim de 2014, um
laboratório forense para desenvolver e aprimorar tecnologias usadas por peritos
para desvendar extorsões, mortes e crimes cibernéticos.
O CSI:Campinas, como vem sendo chamado pelos
criadores, é uma iniciativa de professores da Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas) e tem nome de batismo menos glamuroso: LPMF (Laboratório
Multidisciplinar de Pesquisas Forenses).
Aprovado pela pró-reitoria de pesquisa da
Unicamp no fim do ano passado, o LPMF ficará em um dos quatro prédios erguidos
pela universidade para abrigar laboratórios multidisciplinares. O custo total
estimado é de R$ 30 milhões, com equipamentos.
Os 15 pesquisadores da equipe inicial também não
agirão sob holofotes. A ideia é que eles trabalhem na retaguarda, em algo que
poderia ser definido como "fábrica de CSI". "Vamos desenvolver soluções",
explica o professor doutor Anderson Rocha, do Instituto de Computação (IC).
Além do IC, farão também parte da "fábrica de
CSI" o Instituto de Química, o Instituto de Biologia e a Faculdade Engenharia
Elétrica e de Computação.
As quatro áreas previstas para integrar o
laboratório já auxiliavam, separadamente, em investigações de crimes, por meio
de convênios com a Polícia Federal e a Polícia Civil. Também colaboravam com
órgãos internacionais, como a Fundação Nacional de Ciência, dos EUA.
Os principais objetivos da iniciativa, ao unir
as forças, é ampliar a atuação e entregar resultados forenses para todos os
tipos de casos e formar novos especialistas.
Uma vez em pé, a estrutura do CSI:Campinas
permitirá aprofundar pesquisas já em curso. Segundo o professor doutor Arício
Linhares, da Biologia, as equipes criarão insetos para testar como reagem a
drogas para futuras investigações, por exemplo.
Segundo Rocha, os órgãos responsáveis pelas
pesquisas, hoje, possuem tecnologia de ponta, mas não têm tempo para desenvolver
novas soluções que antevejam a criatividade criminosa, justamente o plano para
agora.
COMPUTAÇÃO
Foi justo o jogo de gato e rato que moldou a
orientação da área forense do IC, especializada em verificar a autenticidade de
documentos digitais, os aparelhos eletrônicos que os produziram e possíveis
réplicas criadas.
A partir de pedidos externos, o grupo criou um
sistema que reconhece suspeitos em vídeos a partir de características como
altura, marca dos sapatos e traços faciais.
Agora, trabalham em programas que dizem se
mensagens de redes sociais são autênticas e identificam fraudes em sistemas
biométricos.
Por dentro da "fábrica de csi"
Unicamp monta laboratório de tecnologia para
ser referência no mundo em pesquisa forense
O QUE É
Chamado de LMPF (Laboratório Multidisciplinar de
Pesquisa Forense), reunirá áreas de pesquisa forense que desenvolverão
tecnologia para investigar crimes em diversas áreas
PROJETO
Integrar laboratórios de quatro áreas em uma
equipe multidisciplinar, sob o custo total estimado de R$ 30 milhões; previsão é
que obras
estejam prontas no 2º semestre de 2014
OBJETIVOS
1 – Unir os laboratórios que já atuam em
pesquisa forense e, uma vez integrados, desenvolver novas tecnologias e soluções
que possam dar suporte às investigações de crimes
2 – Formar mão de obra para atuar com perícia
3 – Auxiliar órgãos que atuam na investigação
criminal, como Polícia Federal, Polícia Civil, Cert.BR (Centro de Estudos,
Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil) e Fórum de Segurança
Digital dos Bancos, entre outras instituições
4 – Gerar conhecimento em segurança
computacional, por meio da análise de incidentes e fraudes cibernéticas
15 –
será o número inicial de pesquisadores do laboratório de pesquisa forense
600 m² –
será a área aproximada estimada da "fábrica de CSI"
R$ 2 mi –
é quanto vão custar só os equipamentos que integrarão
o laboratório, como o espectrômetro de massa
ÁREAS
DO CSI:CAMPINAS
Laboratório será composto por quatro linhas de
pesquisa
BIOLOGIA
Entram em cena os bichinhos: área coloca os
insetos sob a lupa do microscópio para analisar sua relação com organismos em
decomposição e, a partir disso, identificar características desses corpos que
ajudem a solucionar dúvidas como possível data da morte
ENGENHARIA ELÉTRICA
Depois de "colher o depoimento" de fotos, vídeos
e insetos, são os equipamentos eletrônicos o alvo das acareações dessa área, que
averigua quando, como e em que circunstâncias uma máquina executou um comando
COMPUTAÇÃO
É a área em que atua o coordenador do LMPF,
prof. dr. Siome Goldenstein. Os cientistas se dedicam a criar métodos para
identificar a autenticidade de documentos digitais e quais equipamentos os
produziram, além de resgatar informações perdidas
QUÍMICA
Nem só de sangue vive a investigação criminal:
apesar de também lidar com fluidos corporais, a área analisa a composição
química de objetos orgânicos e inorgânicos para averiguar possíveis
falsificações e adulterações
ANÁLISE
Perícia criminal no mundo é mais complicada do que mostra a TV
AFONSO BENITESDE SÃO PAULO
Seriados de TV que mostram como crimes são investigados apresentaram ao público
as perícias criminais e glamorizaram os peritos.
Nessas séries, todos os casos são solucionados pela perícia, que é chamada por
alguns especialistas de a "rainha das provas". É como se qualquer crime, desde o
furto do estepe de um carro até uma chacina, pudesse ser esclarecido a partir
dela.
Em um
mundo ideal, isso até poderia ser verdade. Na realidade, porém, está longe de
acontecer. Faltam estrutura e profissionais bem treinados no mundo inteiro.
Em
2011, em uma visita a São Paulo, o detetive norte-americano Joseph Blozis, que
já foi perito criminal da polícia de Nova York, disse que o "CSI" da TV é pura
fantasia, e o mundo real é bem mais complicado mesmo por lá.
No
Brasil, levantamento feito pelo Ministério da Justiça divulgado na semana
passada mostra que a situação não é nada animadora. Aqui, são os Estados e o
Distrito Federal os responsáveis por criar e estruturar os Institutos de
Criminalística, órgãos responsáveis pelas perícias.
Interessado em fazer um diagnóstico sobre o setor, o governo federal mostrou
estar chocado com o resultado. Das 27 unidades da federação, apenas 11 têm
equipamentos para reconhecimento facial, em seis não há laboratórios de DNA e em
outros seis não é possível fazer exames toxicológicos -análise fundamental para
detectar o uso de drogas ou veneno.
Esse
levantamento do ministério não avalia a situação das pesquisas sobre perícias.
Apenas pincela outra informação que chama a atenção: a maioria dos profissionais
que passou por cursos de atualização ou capacitação são chefes. Quem está na
linha diferente, com a mão na massa, nem sempre é treinado.
Assim, um laboratório focado na pesquisa forense cria uma expectativa de melhora
no cenário. Se o que está planejado for entregue, haverá um considerável avanço.
Por
enquanto, o glamour fica só para a telinha.
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