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    NÃO, O diploma dos jornalistas não acabou. A decisão do Supremo Tribunal 
    Federal, na última semana, limitou-se a dizer que o decreto-lei 972/69 era 
    incompatível com a Constituição democrática de 1988. Mais nada. E merece 
    elogios -por pretender, esse monstrengo da redentora, exercer o controle do 
    jornalismo a partir do Estado. Era nele que estava, em regra acessória 
    (artigo 4º, V), a exigência de diploma para registro dos jornalistas no 
    Ministério do Trabalho. Ocorre que, tecnicamente, jamais poderia o STF 
    declarar sem valor o decreto-lei e deixar vigendo uma de suas regras. Sem 
    juízo de valor, no julgamento, sobre o dito diploma -que poderá voltar a ser 
    exigido em outra lei. Apenas isso. 
     
      
     
    O mais são palavras ao vento. Inclusive as do eminente presidente Gilmar 
    Mendes, que, mais uma vez, expressa opinião pessoal sobre tema que pode vir 
    a ser discutido no Supremo -em vez da reserva que, como regra, a seus 
    ministros conviria guardar em situações assim. Isso posto, cabe então 
    perguntar se, afinal, esse diploma é bom ou ruim para a cidadania. Não há 
    consenso. Divididos, os países, em três posições. Primeiro grupo, o dos que 
    exigem diploma: Bélgica, África do Sul, Arábia Saudita e mais 11 pequenos. 
    Segundo grupo, o dos que não aceitam nenhum tipo de limitação ao exercício 
    da profissão: Chile, Áustria e Suíça, na linha de "um modelo de 
    desregulamentação" absoluto, como defendido pelo ministro Gilmar Mendes. 
    Duas visões francamente minoritárias, pois. Havendo ainda um terceiro grupo, 
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    bem mais amplo, dos países que admitem algum tipo de exigência prévia para o 
    exercício da profissão, segundo padrões culturais não uniformes: idade 
    mínima, escolaridade, ausência de condenação penal, algum curso médio ou 
    superior, curso preparatório específico, estágios compulsórios. Esse 
    panorama considera só a base legal; um diploma, no mundo real, significa 
    maiores chances de obter emprego e/ou salário melhor. Na Alemanha, por 
    exemplo, quase nenhum jornal importante contrata quem não tem diploma. Nos 
    Estados Unidos, onde ele também não é exigido, há 400 faculdades, 120 cursos 
    de pós-graduação e 35 doutorados; sem contar que, na média, 80% das Redações 
    são compostas por diplomados. 
     
      
     
    Maior diferença, entre Redações brasileiras e estrangeiras, é precisamente a 
    quantidade de jornalistas com cabelos brancos: abundantes, nas democracias 
    consolidadas, e escassos, no Brasil, pelo uso indiscriminado de estagiários, 
    lumpens na profissão, mão de obra jovem e barata. Mas por que jornais, em 
    regra, tanto querem jornalistas diplomados? A resposta é simples. Por ser 
    dispendioso ensinar, dentro das Redações, a fazer um jornal. E também porque 
    jornalistas aprendem, nas universidades, que errar custa caro. Nos Estados 
    Unidos, com vitória dos demandantes em 75% dos casos, a média das 
    indenizações oscila entre US$ 100 mil e US$ 200 mil dólares. Com frequência, 
    vai muito além disso. Por exemplo: Leonard Ross x "New York Times", US$ 7,5 
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    milhões; Richard Sprague x "Philadelfia Inquirer", US$ 34 milhões; Victor 
    Feazel x Dallas Television Station, US$ 58 milhões; "Wall Street Journal" x 
    Money Management Analytical Research, US$ 222,7 milhões.  
     
    Dando-se então que jornalistas formados, por estatisticamente errar menos, 
    valem mais. E ganham bem mais também, claro. Desde que haja leis de imprensa 
    decentes, faltou dizer. O que nunca tivemos -e continuamos sem ter. 
     
      
     
    Posta a questão em tons técnicos e mais serenos, o que se vê hoje em nosso 
    país é um cenário anormal. Exótico. Porque, em toda parte, são os próprios 
    jornalistas que não aceitam a exigência do diploma, enquanto aqui sua defesa 
    é feita pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). E empresas sempre 
    pedem diploma -enquanto aqui as restrições contra ele partem de um de nossos 
    mais respeitados jornais, a Folha de S.Paulo. Coisas do Brasil. Dando os 
    trâmites por findos, assim, cumpre agora esperar por legislação específica 
    do Congresso Nacional -a quem cabe, com mais propriedade e mais 
    legitimidade, estabelecer requisitos para o exercício das profissões. A ele 
    cumprindo, afinal, decidir se o diploma deve ser mesmo exigido. Ou não. JOSÉ 
    PAULO CAVALCANTI FILHO, 61, é advogado, pós-graduado pela Universidade 
    Harvard (EUA). Foi presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa 
    Econômica) e da Empresa Brasileira de Notícias, além de secretário-geral do 
    Ministério da Justiça (governo Sarney). 
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