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    A recente 
    decisão do STF, tornando desnecessária a exigência de diploma para o 
    exercício do jornalismo, contém um erro de análise do mundo e das coisas que 
    nele existem. A Constituição garante o exercício de qualquer profissão – 
    art. 5º, XIII, mas ressalva que a lei pode impor condições. Esta restrição 
    leva em conta o interesse público da profissão, as exigências técnicas para 
    seu exercício e o significado que tem para a sociedade. Para algumas 
    profissões, estas exigências são óbvias: não se poderia conceber que um 
    prático operasse o cérebro de uma pessoa ou que um pedreiro fizesse o 
    cálculo estrutural de um edifício. Outras vezes, as restrições não se ligam 
    a impedimentos imediatos. Têm um objetivo mais amplo que diz respeito a 
    interesses morais, políticos e sociais da vida comunitária. Exige-se então 
    que a pessoa tenha formação que envolva valores mais altos e refinados, cuja 
    exatidão não se mede com números, mas com habilitação cultural e humanística 
    solidamente construída. Não se pode permitir que alguém se intitule 
    professor de filosofia, depois da leitura de dois autores, nem de história, 
    depois de estudar dois manuais. 
     
      
    É aqui que 
    se situa a profissão de jornalista. Ele não é apenas um homem da palavra e 
    da redação de textos que trabalha em alguma seção de jornal. A sociedade 
    precisa de informação para tudo. O homem moderno não pode conhecer 
    diretamente a complexidade dos dados e acontecimentos que hoje se agitam na 
    complexa organização social em que vivemos. Por isto, tem que se servir dos 
    órgãos de informação, ou seja, da atividade jornalística, na qual se abrigam 
    conhecimentos técnicos, éticos e políticos, de fundamental importância e 
    significado social, exatamente porque forma opinião e divulga a 
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    verdade. Gay 
    Talese, o grande jornalista americano, disse recentemente, em entrevista à 
    Veja, que o jornalismo é a mais bela das profissões, porque não esconde nem 
    protege um mundo irreal, como acontece muitas vezes com políticos, juízes, 
    militares, empresários e várias outras que, muitas vezes, preservam um mundo 
    que não corresponde à realidade. Pelo contrário, o bom jornalismo expõe a 
    verdade ao povo, com coragem e determinação. Vara a casca dos 
    corporativismos. Desmascara governos, falsidades de ministros e falaciosas 
    versões oficiais. Mostra realidades ocultas e subtendidas, como atualmente 
    faz com o Senado Federal. Só mesmo uma imprensa e jornalistas livres 
    poderiam desempenhar tão grande e significativa façanha. 
     
    Portanto, 
    além da formação técnica, do jornalista se exige conhecimento humanístico, 
    filosófico, político e social. Como se pode escrever sobre a reforma do 
    Judiciário, a rebelião do Irã, o problema árabe-israelense, a crise 
    econômica mundial se não tiver conhecimentos especializados e gerais? Como 
    pode interpretar um fato político e social se não possuir aparato técnico e 
    cultural para a tarefa? Estes conhecimentos, evidentemente, só se colhem nas 
    Faculdades que são o manancial do saber puro, independente, 
    descompromissado, holístico e completo. O conhecimento humano, 
    principalmente nos dias de hoje, é por demais complexo para ser 
    empiricamente apreendido. Exige esforço, dedicação e estudo. E isto só se 
    faz com reflexão acadêmica. A inexigência de diploma banalizou a profissão 
    de jornalista. Reduziu-a a um empirismo barato e insignificante, cuja 
    condição de exercício será agora apenas de um estágio e um mero registro num 
    ministério, como se tão singelas formalidades fossem suficientes para o 
    desempenho de uma   | 
 
    profissão 
    tão nobre e exigente. Por que os órgãos da grande imprensa brasileira (Veja 
    e Folha de São Paulo, por exemplo) louvaram a extinção do diploma? Se foi 
    para baixar custos e contratar jornalistas baratos, estas empresas não 
    enfrentarão a concorrência e em breve fecharão as portas. A razão é outra. O 
    jornalista diplomado é um homem consciente de seus deveres. Exerce sua 
    profissão com independência. Constitui sindicatos fortes e atuantes. Negocia 
    coletivamente salários. Faz greve. Questiona a imprensa de interesses que 
    age apenas como empresa, de olhos postos na vantagem econômica e não na 
    missão social e política que dela se espera. 
     
      
    O jornalista 
    diplomado e conhecedor de sua profissão divide o poder com o dono da empresa 
    jornalística. Sua opinião tem peso. É independente. Tudo isto é visto como 
    ameaça e está no fundo da argumentação contra o diploma pelos empregadores. 
    O ministro Gilmar Mendes, relator do processo, deu um exemplo: um chef pode 
    ser um excelente mestre de culinária. Mas isto não significa que toda 
    refeição deva ser por ele feita. Se a lição for seguida, os processos não 
    precisam necessariamente de advogados e juízes. Podem ser conduzidos por 
    rábulas. A medicina não necessita dos grandes médicos. Pode ser exercida por 
    enfermeiros. As grandes construções não carecem de engenheiros e 
    calculistas. Bastam as mãos experientes de pedreiros e serventes. Então, a 
    ciência e o saber aprofundados se tornarão descartáveis. Em nome da plena 
    autonomia, todos estarão livres para viver na superficialidade das coisas. 
    Fecharemos as portas da universidade para a ciência e abriremos suas janelas 
    para o mundo do empirismo e do conhecimento sem sistema. Em nome da 
    liberdade estaremos usando o meio mais seguro de mata-la. 
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