Folha de São Paulo, Empregos, domingo, 22 de julho de
    2007 
    RELAÇÕES TRANSPARENTES 
    
    Lobistas deixam bastidores
    para impulsionar a carreira
     
    
    Associação e pós são algumas das mudanças rumo à
    profissionalização 
    O relações-governamentais
    Leandro Machado, que gerencia as informações-chave da Natura
ANDRESSA ROVANI, DA REPORTAGEM LOCAL
A proposta de um código de conduta
    profissional, a necessidade de as empresas se alinharem ao movimento de
    maior transparência e a criação de um curso de especialização para formar
    interlocutores têm empurrado à luz um perfil profissional visto até hoje sob
    o estigma de fora-da-lei: o lobista.
“Devido aos escândalos recentes, as
    empresas estão mais preocupadas em ter bons profissionais como
    interlocutores no governo”, diz Gilberto Galan, consultor da Galan &
    Associados que exerceu o posto por 30 anos em multinacionais.
“Devemos ficar gratos a todos esses
    escândalos, porque eles mexeram com o brio dos que trabalham com ética e não
    são corruptos”, emenda o professor Paulo Kramer, da UnB (Universidade de
    Brasília).
As grandes corporações deram o primeiro
    passo. A criação do posto de relações governamentais expõe a intenção
    empresarial de apontar a limpidez de seus representantes.
“O relações-governamentais faz mais do
    que lobby”, ressalva Galan. “Leva dados qualificados ao parlamentar e
    trabalha na inteligência da empresa.”
No mercado de trabalho, o reflexo é
    claro: com o destaque dado ao cargo, o profissional da área passou a ser
    disputado.
Galan afirma ser freqüentemente
    consultado por “head-hunters” em busca de indicações na área. “Mas é
    difícil. Não há muita gente no mercado.”
Para a cientista política Andréa
    Oliveira, que analisou a função de especialista em relações governamentais
    em sua tese de doutorado na Unicamp, esse movimento “denota uma clara
    tendência de profissionalização da atividade”.
Auto-regulamentação
Cansada de esperar a aprovação do
    projeto de lei que tramita há 18 anos no Congresso, a própria categoria
    decidiu agir.
Em agosto será lançada a primeira
    associação de profissionais que atuam na área, a Abrig (Associação
    Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais). Entre as principais
    ações da entidade, destaca-se a formulação de um código de conduta
    profissional.
Para Kramer, “isso ajudará a
    diferenciar lobistas de corruptos e traficantes de influência”.
“Não acredito que a aprovação do
    projeto resolverá o estigma que a profissão carrega”, diz Oliveira, que
    defende a iniciativa da categoria. “[A auto-regulamentação] é uma forma de
    separar o joio do trigo, apesar do grande corporativismo.”
Na sala de aula
A ausência até hoje de fontes
    acadêmicas que forneçam qualificação específica tem relegado os interessados
    à aprendizagem prática. Esse cenário, porém, está para mudar.
Em agosto tem início o curso de
    especialização em relações institucionais e governamentais do Iesb
    (Instituto de Educação Superior de Brasília), que pretende contar com alunos
    em início ou meio de carreira.
“Há uma demanda grande por esse tipo de
    curso”, justifica Kramer, que coordena essa pós.
A Associação Brasileira de Comunicação
    Empresarial, segundo Galan, também lançará um curso na área neste ano.
“Profissionais devem antever os movimentos governamentais”
     
DA
    REPORTAGEM LOCAL 
Na rotina do advogado Fabio Goes Acerbi,
    33, diretor de assuntos corporativos e relações governamentais da
    alimentícia Kraft, estão reuniões com as três esferas -federal, estadual e
    municipal- do poder público e com associações de classe.
As reuniões seguem protocolos
    determinados pela autoridade, incluindo solicitações formais para os
    encontros e, às vezes, gravações em áudio ou em vídeo. “O que defendemos em
    lobby tem de ser algo que defenderíamos publicamente”, explica Acerbi.
Em um caso recente, afirma o executivo,
    a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) quis editar uma lista de
    restrições à publicidade de alguns tipos de alimentos.
“Nós dissemos que aquelas restrições
    não funcionariam. O órgão ainda não emitiu uma decisão e está fazendo grupos
    de trabalho sobre o assunto”, conta o diretor, que considera o resultado
    parcial uma vitória para a multinacional. 
    (MI)
Contato com autoridades é rotineiro
     
DA
    REPORTAGEM LOCAL 
Não só se relacionar com o governo mas
    também fazer isso de forma transparente é o que as companhias querem,
    segundo Leandro Machado, 29, gerente de relações governamentais da Natura.
“Hoje, as empresas visam se destacar,
    ter uma área séria e auditável [de relações com o governo].”
Machado atua nessa esfera desde a
    graduação em ciência política, quando era estagiário na Shell.
Na Natura desde 2003, foi contratado
    para unificar os processos de relações governamentais da empresa. “Devemos
    antever movimentos ou, quando há uma decisão do governo, traçar
    estratégias.”
Para isso, diz ele, o profissional deve
    reunir informações, tratá-las e determinar quem, na empresa, irá receber os
    dados. Além disso, deve representar a organização em eventos e defender seus
    interesses junto às autoridades. (MI)
    [+]MERCADO
ONGS E ASSOCIAÇÕES DE CLASSE SÃO
    OUTRAS OPÇÕES DE TRABALHO 
Não são apenas as grandes empresas que
    perceberam a necessidade de contar com o relações-governamentais.
Para os especialistas na área, a
    tendência é a de que haja uma “democratização” no acesso ao poder, cenário
    em que qualquer grupo organizado poderá ter seu interlocutor no governo.
A atuação do profissional se dá também
    em escritórios de lobbying, que atuam de forma terceirizada, em grandes
    associações de classe, em ONGs e no próprio governo.
“É um mercado de trabalho fabuloso”,
    diz Galan.
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