O desafio da primeira piloto de combate formada pela aviação do Exército Brasileiro
Emily faz parte da turma estreante de mulheres oficiais formadas na academia que pode chegar ao generalato
MARCELO GODOY | OESP*
“Quem daqui quer a aviação?” A pergunta do piloto da missão que transportava um grupo de alunos do curso de Intendência da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) teve uma resposta imediata da cadete Emily Braz, integrante da primeira turma de mulheres que frequentava a escola. “Eu levantei a mão, e ele me deu uma bolacha ( um distintivo) e falou para eu devolver na aviação.”
Cinco anos depois, a tenente Emily estava no hangar do Comando da Aviação do Exército (CAvEx), na frente da tropa da Base Aérea de Taubaté, na sexta-feira, em uma formatura diante do comandante do Exército, o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Era a primeira piloto de combate formada pelo CAvEx. Além de Tomás, outros integrantes do Alto Comando da Força Terrestre acompanharam a solenidade.
“Acompanhei a formação dessa aluna. Ela seguiu rigorosamente tudo o que os demais alunos seguiram”, afirmou o general Achilles Furlan Neto, chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) do Exército. Há 47 anos no serviço ativo da Força Terrestre, Furlan é o mais antigo piloto da Força em atividade. “Nada foi dado a ela de graça. Ela conquistou tudo como todo piloto precisa conquistar. Isso é mérito dela”, afirmou.
A tenente guarda até hoje a bolacha que lhe foi entregue pelo piloto durante uma instrução sobre suprimento aéreo – ela ainda não teve a oportunidade de entregá-la. “Ele não está mais na aviação.” Filha de um tenente do Exército, ela entrou na Escola Preparatória de Oficiais, em Campinas, em 2017. E já ali ficou admirada com as aeronaves e sua infraestrutura e tecnologia.
“Nas outras Forças já havia mulheres que pilotam. Isso me deu uma inspiração a mais, pois eu sabia que isso era possível”, contou. Emily só descobriu a aviação do Exército depois de se tornar cadete. A sua turma contava com mulheres no Serviço de Intendência e no Quadro de Material Bélico. No próximo ano, a academia vai abrir a Arma de Comunicações para as mulheres, parte de um processo paulatino da Força Terrestre de inserção delas em seus diversos setores.
VAGAS. Segundo o Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), a previsão de porcentuais de mulheres para os cursos da AMAN em 2026 é de 45% das vagas para a Intendência, 25% para Material Bélico e 30% para Comunicações. No próximo ano, o Exército passará também a contar pela primeira vez com soldados mulheres, todas voluntárias – no Comando Militar do Sudeste, haverá 58 vagas para o serviço no quartel-general, que serão disputadas por cerca de 800 candidatas.
É nesse contexto que surge a história de Emily. Na escola do CAvEx havia outra oficial na sua turma que devia se formar como gerente de manutenção de aeronaves. Tratava-se da também tenente Andrielly Mostavenco Gomes, que morreu em um acidente de carro no Vale do Paraíba, em maio de 2024. Ela era do Quadro de Material Bélico e também havia saído aspirante na turma de 2021. “Ela segue sendo pioneira na aviação”, disse Emily.
O curso feito pela tenente durou 16 meses, com 1,4 mil horas de voo e 400 horas nos simuladores de voo. Ali os alunos aprenderam a pilotar as aeronaves em situações de combate, com visão noturna e a poucos metros do solo, a fim de evitar os fogos inimigos. “A turma me recebeu muito bem. Os instrutores foram sempre muito profissionais.”
Para ela, sua presença no CAvEx devia ser algo normal e não deveria chamar a atenção. “Mas entendo o que isso representa para todas as mulheres. Recomendo às futuras alunas que não desistam de seus sonhos, que mostrem competência e capacidade, que a gente consegue chegar lá.”
Academia das Agulhas Negras terá vagas em 2026 para mulheres na Arma de Comunicações
Casada com um oficial do Exército que faz a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), no Rio, Emily deve permanecer, por enquanto, em Taubaté. Depois, o casal pretende servir na Amazônia. De sua turma de academia pode sair, um dia, a primeira general formada pela AMAN. Trata-se de um caminho longo para Emily e suas colegas.
“A inserção do segmento feminino a gente ( Exército) começou mais tarde. Ela está se dando de forma gradual e com competência. A primeira mulher na Aviação do Exército como piloto abre portas para as outras: a Força Aérea e a Marinha já têm oficiais generais; a gente, possivelmente, em breve vai ter”, afirmou Tomás, explicitando mais uma “bolacha” que alguma oficial vai apanhar para um dia devolvê-la.
*Estado de São Paulo, https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo, 13/04/2025, pg.A28